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Jobs to be done (JTBD) é uma teoria desenvolvida por Clayton
Christensen e colegas, em 2005, para explicar porque clientes escolhem
comprar determinados produtos ou serviços. A ideia é que as pessoas,
muitas vezes, não consideram todas as funcionalidades de um produto ao
tomar uma decisão de compra. Em vez disso, elas têm um trabalho que
precisa ser feito
e para isso elas contratam
o melhor produto
capaz de ajudá-las a realizar esse trabalho com sucesso.
Portanto, segundo JTBD, as perguntas centrais que devemos responder ao projetar e desenvolver qualquer produto, seja ele digital ou não, são as seguintes:
contratamnossos produtos? Em quais
circunstâncias?
problemasde sua vida eles querem resolver com nossos produtos?
progressoeles querem alcançar ao comprar nossos produtos?
JTBD é então uma teoria que foca nas origens das decisões de compra, isto é, nos mecanismos que explicam porque uma pessoa decide introduzir um produto ou serviço na sua vida. Por isso, os autores da teoria sempre ressaltam que JTBD procura entender o mecanismo causal subjacente às decisões de adoção de produtos, serviços ou inovações.
O exemplo mais comum para explicar JTBD refere-se a consumidores de milk-shake de uma grande rede de fast-food nos EUA. Ao prestar uma consultoria para a empresa, os autores da teoria descobriram que um grande número de vendas de milk-shake ocorria nas primeiras horas da manhã.
Após algumas entrevistas, eles concluíram que os clientes
contratavam
esses milk-shakes para resolver um trabalho
específico: para chegar ao seu emprego, eles tinham que dirigir por um
longo tempo e então eles usavam um milk-shake para tornar a viagem menos
tediosa.
Como o exemplo tenta ilustrar, nem sempre é trivial para as empresas
descobrir os trabalhos
para os quais seus produtos
são
contratados. Particularmente, essa contratação
pode acontecer em
circunstâncias específicas. E também os trabalhos
podem evoluir
com o tempo e trabalhos
inesperados podem aparecer.
trabalhosque motivam a
contrataçãode nossos produtos?
Porque assim você pode se preparar para atender seus clientes melhor. Por exemplo, no caso da rede de fast-food, eles poderiam abrir mais cedo as vendas no drive-thru, evitando que os clientes tivessem que estacionar o carro e entrar na loja. Uma outra alternativa seria criar um tipo especial de milk-shake para ser consumido durante viagens matutinas e, por exemplo, com menos açúcar e mais viscosidade.
Ao pensar com as lentes de JTBD, nós também entendemos melhor quais são os concorrentes de nossos produtos. Por exemplo, os concorrentes de um software podem incluir não apenas sistemas semelhantes de outras empresas, mas também uma simples planilha eletrônica ou mesmo um caderno de anotações.
A resposta é que tem tudo a ver, pois software é cada vez mais um produto. Quando um software é visto dessa maneira, o desenvolvimento nunca termina, no sentido de que o sistema está em constante evolução e sempre precisa incorporar novas funcionalidades para preservar e ganhar mercados e clientes. Na verdade, essa visão de software-produto é cada vez mais comum, principalmente em empresas digitais, cujo negócio é concretizado em um ou vários aplicativos.
Por isso, ao desenvolver e evoluir um produto de software é
importante ter em mente os trabalhos
para os quais ele está sendo
contratado
. Caso contrário, corremos o risco de ter um sistema
lotado de funcionalidades, mas que não ajuda nos trabalhos
que
seus clientes precisam entregar.
O tweet abaixo, do fundador do Gumroad, um site para comercialização de produtos digitais, ilustra muito bem a importância de JTBD no contexto de software.
People don't want to use your software.
— Sahil Lavingia (@shl) August 15, 2019
They want to lose weight, laugh, be entertained, get smarter, spend time with loved ones, go home on time, sleep adequately, eat good food, be happy.
Your product is only as good as the experiences it enables people to have.
O tweet deixa claro que os usuários não usam um software apenas por usar. Na verdade, o que eles querem é uma melhoria de vida, a qual pode incluir, de forma mais específica, perder peso, dar algumas risadas, ter momentos de divertimento, ficar mais inteligente, etc.
No livro no qual apresentam a teoria de JTBD, Christensen e colegas mencionam o caso do QuickBooks, um software de contabilidade para pequenas empresas vendido pela Intuit.
Essa empresa tinha um sistema de controle de finanças pessoais muito popular nos EUA, chamado Quicken. A Intuit então percebeu que alguns dos usuários do Quicken também usavam o sistema, de forma improvisada, para fazer a contabilidade de suas pequenas empresas.
Ou seja, eles preferiam usar o Quicken do que os sistemas de contabilidade que existiam no mercado, os quais eram complexos e voltados para contadores profissionais.
A Intuit teve então a ideia de lançar o seu próprio sistema de contabilidade, chamado QuickBooks, destinado a pequenas empresas e que obteve um grande sucesso. Inclusive, seu preço era superior ao de vários sistemas concorrentes com mais funcionalidades.
No livro, Christensen e colegas resumem assim esse estudo de caso:
Os concorrentes estavam preocupados em produzir o melhor software contábil possível. Por outro lado, Cook [CEO da Intuit] e sua equipe se concentraram no trabalho que os clientes estavam tentando realizar […] E, quando os clientes encontram o produto correto para atender ao trabalho que eles têm em mãos, normalmente estão dispostos a pagar mais.
Recentemente, o CEO do Twitter declarou que eles pretendiam focar a
evolução da rede social em três trabalhos
estratégicos para seus
usuários: descobrir o que está acontecendo, conversar online e receber
compensações financeiras pelos seus tweets. O interessante é que ele não
usou o termo requisitos na sua declaração, mas sim trabalhos
.
Para mais detalhes, veja o seguinte artigo
do site da revista Harvard Business Review.
Trabalhos
Para descobrir os trabalhos para os quais os clientes contratam seu
produto de software, é preciso observá-los e conversar com eles. No
exemplo do milk-shake, os autores contam que fizeram exatamente isso:
foram cedo para os restaurantes e perguntaram para os clientes porque
eles estavam contratando
aqueles milk-shakes logo nas primeiras
horas da manhã.
Então, quando estiver definindo histórias de usuário, é importante esclarecer com os clientes porque eles estão pedindo certas histórias, isto é, qual a motivação e o contexto delas.
Para deixar a motivação de histórias de usuário mais claras, existe o conceito de job stories, que é um template alternativo para escrita de histórias com o seguinte formato:
Quando [situação], eu gosto de [motivo] de tal forma que [benefício]
Veja um exemplo: quando eu dirijo meu carro para o trabalho, eu gosto de tomar um milk-shake de tal forma que a viagem fique mais agradável e eu não fique com fome logo ao começar a trabalhar.
No entanto, histórias de trabalhos
devem ser usadas apenas
para histórias menos usuais. Ou seja, para muitas histórias, a motivação
é bem clara e, portanto, o template não agrega muito valor.
Outra técnica importante é perguntar ao cliente como ele resolve o problema atualmente, isto é, quando o sistema ainda não inclui a história que ele está pedindo. Isso ajuda a entender o contexto e a motivação do seu pedido.
Quando projetamos um produto, incluindo um software, devemos pensar na oferta, representada pelas funcionalidades do produto e na demanda, representada pelas reais necessidades dos clientes. Muitas vezes, começamos pela oferta para então conectá-la à demanda. Por outro lado, JTBD advoga que o caminho inverso – da demanda para a oferta – tem mais chances de dar certo, conforme ilustrado na seguinte figura.
No caso específico de software, JTBD destaca-se – junto com outras
teorias, como Design Thinking – em
sistemas cujos requisitos são emergentes, ou seja, não estão claros na
cabeça de nenhum cliente em particular. Nesses casos, vale a pena
iniciar entendendo as reais demandas dos clientes (isto é, os
trabalhos
que são mais importantes para eles), para só então
definir o que
de fato será implementado.
Portanto, e em última instância, teorias como JTBD nos ajudam a
evitar a implementação de sistemas com diversas funcionalidades que
geram pouco progresso
real para os clientes e, por isso, acabam
não sendo usadas.
Talvez, o primeiro material para aprofundar no estudo de JTBD seja o
livro dos autores da teoria, cujo título em português é Muito Além da
Sorte: Processos Inovadores para Entender o que os Clientes Querem
,
publicado pela Bookman em 2017. Um artigo,
publicado na Harvard Business Review, em setembro de 2016, oferece uma
introdução mais resumida a JTBD.
1. Frequentemente, afirma-se que software pode ser desenvolvido como um projeto ou como um produto. Primeiro, para entender melhor essas duas formas de desenvolvimento, leia a seguinte pergunta do FAQ sobre o Capítulo 2 do livro. Em seguida, responda em qual tipo de cenário JTBD melhor se aplica: software desenvolvido como um projeto ou software desenvolvido como um produto? Justifique sua resposta.
2. Qual a vantagem de JTBD em relação ao uso de personas? Para conhecer mais sobre personas, leia a pergunta sobre o tema no FAQ do Capítulo 3 do livro.
3. Em um outro artigo didático, tratamos de Design Thinking (DT). Descreva (a) uma característica comum entre JTBD e DT; (b) o principal conceito novo que JTBD introduz quando comparado a DT.
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